A dois passos da sé catedral do Porto, onde a cidade nasceu e cresceu, existem 88 prédios abandonados, degradados, em ruína. "São números inquietantes. A freguesia da Sé está ao abandono", diz José Teixeira, presidente da junta local. "Será este abandono uma fatalidade?", interroga-se José Campos, dirigente do GABS-Grupo de Apoio ao Bairo da Sé. Há mais vozes inquietantes no coração do centro histórico.
Em tempo de enfeites de Natal e de néon, a noite escurece mais cedo para Laura Ferreira, 78 anos, reformada, como a maioria dos residentes da Sé. Olha para a estátua de Vímara Peres e a meio da Rua do Corpo da Guarda faz uma pausa "Foi ali [na Rua dos Pelames] onde nasci e quero viver o resto dos dias". Carrega mágoas na alma: "Há alguns anos, disseram-me que vinham cá arranjar isto [as casas], mas não vejo jeito. Já perdi a esperança em dias melhores", diz.
Cidade sem memória
José Campos nasceu junto ao morro da Sé e conhece-lhe as entranhas. Há mais prédios ao deus- -dará e, num deles, na Travessa de S. Sebastião, viveu o historiador Alexandre Herculano. A cidade, porém, perdeu a memória "Num outro país, o edifício estava recuperado e seria uma casa de cultura. No Porto existe desprezo".
Há mais contas a fazer na prometida e adiada reabilitação da Sé "A Câmara do Porto é dona de 57 prédios completamente desabitados e, nestes últimos 12 anos, nada fez", critica. O levantamento do GABS tem mais números: "Entre a esquina da Rua da Ponte Nova e o Largo da Bainharia, estão 15 prédios devolutos de três e quatro andares. Se fossem recuperados, serviam de casa para 135 pessoas. Em vez disso, muita gente da Sé é obrigada a sair daqui.O desenraizamento ganha terreno e só ficam os idosos".
"Inabitável, mas bonito"
Alfredo Santos, dono do café "Castiço da Sé", já teve "dias bons" de negócios. "Nem havia espaço para os fregueses. Ficavam lá fora [Rua da Bainharia]. Agora, tenho dias sem apuro. O negócio está pelas ruas da amargura. Já só vejo passar idosos. Está tudo a morrer, a cair de podre", resigna-se. Um dos clientes do "Castiço", David Tavares, vive há 40 anos na Sé e lembra-se "muito bem" das colmeias humanas, quartos subalugados e pobreza, revista num filme neo-realista de Fellini. Só não entendeu as razões por que não foi possível preservar e dar dignidade ao casario da Sé, ao tal património classificado pela UNESCO. "Há anos, vários prédios foram reconstruídos, mas depois tudo parou e chegou-se ao cúmulo de termos várias casas comerciais fechadas. Acho tudo isso criminoso". Antes de chegar ao Mercado do Levante da Sé, Maria da Conceição Moreira, dona da mercearia situada na Rua Escura, 12, faz outras contas à vida e critica o facto de as ruínas do prédio vizinho atingirem a sua casa. "As infiltrações já chegaram às paredes. Vou comprar tijolos e cimento para tapar os remendos", afirma, abanando a cabeça para tirar dúvidas. Nas ruas de S. Sebastião, do Souto, Chã e do Corpo da Guarda existem mais prédios à espera de reabilitação. Tudo parou no tempo. O mercado da Sé perdeu a sua função e mais parece uma fortaleza, refúgio de gente sem eira nem beira. Por perto, estão as estações do metro e a modernidade passa pelas suas entranhas. Na superfície existe néon. Mas está tudo por fazer.
Fonte: JN 3/12/2007
Preocupam-se antes em "plantar" árvores de natal metálicas que gastam obscenidades em electricidade. E o povinho lá vai agradecendo. Enche-lhes a vista! Não há pachorra que aguente a inércia deste país...
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