"Gosto dos instantes em que sentimos que nos podemos apaixonar por aquela pessoa que conhecemos há 30 segundos, há seis meses ou há um ano e com quem intuímos desde o primeiro instante uma espécie de construção do mundo anterior à nossa própria existência, como se em uma qualquer encarnação anterior já tivessemos sido alguma coisa um ao outro - marido e mulher, irmão ou irmã, tanto faz -, provocando uma imediata sensação de bem-estar que nos faz sentir em casa.
A sensação de familiaridade instantânea é um dos primeiros passos para a verdadeira intimidade, embora quase nunca se chegue tão longe. Isto porque entre os instantes mágicos que fazem de um serão de conversa uma noite perfeita, e o que se pode, ou não, contruir a seguir, vai uma distância sempre impossível de prever. A construção de um caso que pode vir a tornar-se uma história de amor tem muito de alquímico e pouco de entendível: ou há click, ou não há, ou no dia seguinte nós acordamos e sentimos 'é isto que eu quero', ou então ficamos sem saber o que pensar até que a vida se encarrega de arrumar as peças do puzzle e pôr tudo no seu devido lugar. Ainda assim, o tal click também nos pode enganar: às vezes desejamos tanto apaixonar-nos que o nosso subconsciente força esse click; outra vezes temos tanto medo de nos entregarmos, que tapamos os ouvidos para não o escutar. O que há mais para aí são corações partidos, com lesões invisíveis que nenhum cirurgião cardio-toráxico pode curar. Só o tempo e grandes doses de amor continuadas conseguem apagar as lesões mais profundas.
Depois do click, ou do desclick, o melhor é guardar para sempre esse momentos únicos e relembrá-los sempre que isso nos traz alegria, ou arrumá-los numa gaveta ordeira da memória se nos perturbam. Em tempos chamei-lhe guardar a doçura, mas depois enjoei-me do substantivo para sempre, e do adjectivo então é melhor nem falar - sempre que alguém me diz que sou uma pessoa muito doce, dá-me logo vontade de pegar numa G3 e de me transformar num mercenário em causa própria. Por isso, agora uso apenas o verbo guardar, de mãos dadas com o verbo ganhar, porque acredito que tudo o que se vive em paz e de coração aberto é sempre uma mais-valia, mesmo que o desfecho não seja aquele com que sonhámos.
Incorrendo na prática pirosa da auto-citação, regresso às páginas do meu último romance, onde escrevi: «Uma das melhores coisas da vida é que ela muda. Nem sempre muda quando queremos ou desejamos, mas muda». Há muito que aprendi a aceitar que a realidade é evolutiva; o que é verdade hoje pode não o ser amanhã. Assim, há clicks que anunciam um amor homérico, o qual mais tarde se transforma em pó, cinzas e nadas, e outros, mais tímidos, que se vão repetindo até se transformarem numa grande história de amor.
Gosto de acreditar que entre projecções, sonhos e desejos, entre clicks enganadores e desclicks trapalhões, há os abençoados, os que duram para sempre."
MRP In Sol, 27/11/2009 [poderia, mais uma vez, ter sido uma PTP!]
A sensação de familiaridade instantânea é um dos primeiros passos para a verdadeira intimidade, embora quase nunca se chegue tão longe. Isto porque entre os instantes mágicos que fazem de um serão de conversa uma noite perfeita, e o que se pode, ou não, contruir a seguir, vai uma distância sempre impossível de prever. A construção de um caso que pode vir a tornar-se uma história de amor tem muito de alquímico e pouco de entendível: ou há click, ou não há, ou no dia seguinte nós acordamos e sentimos 'é isto que eu quero', ou então ficamos sem saber o que pensar até que a vida se encarrega de arrumar as peças do puzzle e pôr tudo no seu devido lugar. Ainda assim, o tal click também nos pode enganar: às vezes desejamos tanto apaixonar-nos que o nosso subconsciente força esse click; outra vezes temos tanto medo de nos entregarmos, que tapamos os ouvidos para não o escutar. O que há mais para aí são corações partidos, com lesões invisíveis que nenhum cirurgião cardio-toráxico pode curar. Só o tempo e grandes doses de amor continuadas conseguem apagar as lesões mais profundas.
Depois do click, ou do desclick, o melhor é guardar para sempre esse momentos únicos e relembrá-los sempre que isso nos traz alegria, ou arrumá-los numa gaveta ordeira da memória se nos perturbam. Em tempos chamei-lhe guardar a doçura, mas depois enjoei-me do substantivo para sempre, e do adjectivo então é melhor nem falar - sempre que alguém me diz que sou uma pessoa muito doce, dá-me logo vontade de pegar numa G3 e de me transformar num mercenário em causa própria. Por isso, agora uso apenas o verbo guardar, de mãos dadas com o verbo ganhar, porque acredito que tudo o que se vive em paz e de coração aberto é sempre uma mais-valia, mesmo que o desfecho não seja aquele com que sonhámos.
Incorrendo na prática pirosa da auto-citação, regresso às páginas do meu último romance, onde escrevi: «Uma das melhores coisas da vida é que ela muda. Nem sempre muda quando queremos ou desejamos, mas muda». Há muito que aprendi a aceitar que a realidade é evolutiva; o que é verdade hoje pode não o ser amanhã. Assim, há clicks que anunciam um amor homérico, o qual mais tarde se transforma em pó, cinzas e nadas, e outros, mais tímidos, que se vão repetindo até se transformarem numa grande história de amor.
Gosto de acreditar que entre projecções, sonhos e desejos, entre clicks enganadores e desclicks trapalhões, há os abençoados, os que duram para sempre."
MRP In Sol, 27/11/2009 [poderia, mais uma vez, ter sido uma PTP!]