quinta-feira, novembro 26, 2009

O essencial é invisível aos olhos


"E foi então que apareceu a raposa :

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu o príncipezinho com delicadeza. Mas ao voltar-se não viu ninguém.

- Estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu? Perguntou o príncipezinho. Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Anda brincar comigo, propôs o príncipezinho. Estou tão triste...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.

- Ah! Desculpa, disse o príncipezinho. Mas, após uma reflexão, acrescentou:

- O que significa «cativar»?

- Tu não deves ser daqui, disse a raposa. O que procuras?

- Procuro os Homens, disse o príncipezinho. Que quer dizer «cativar»?

- Os Homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?

- Não, disse o príncipezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer «cativar»?

- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa «criar laços»...

- Criar laços?

- Exactamente, disse a raposa. Por enquanto, para mim não passas de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. Para ti, não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no Mundo. E eu serei única no Mundo para ti.

- Começo a compreender, disse o príncipezinho. Existe uma flor... Eu acho que ela me cativou...

- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...

- Oh! Não foi na Terra, disse o príncipezinho.

A raposa pareceu intrigada:

- Noutro planeta?

- Sim.

- Há caçadores nesse planeta ?

- Não.

- Que bom! E galinhas?

- Também não.

- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas voltou à mesma idéia.

- Levo uma vida monótona. Eu caço galinhas e os Homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os Homens são iguais. Por isso aborreço-me um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês lá adiante os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste. Mas os teus cabelos são cor de ouro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é dourado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo...

A raposa calou-se e olhou durante muito tempo para o principezinho.

- Por favor... Cativa-me! Disse ela.

- Tenho muito gosto, respondeu o principezinho, mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer outras coisas.

- Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa. Os Homens já não têm tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os Homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me.

- Como é que hei-de fazer? disse o principezinho.

- Tens de ter muita paciência, respondeu a raposa. Primeiro, sentas-te um pouco afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo cantinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto...

No dia seguinte o príncipezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, eu começarei a ser feliz a partir das três. Quanto mais a hora se aproximar, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, eu nunca saberei a que horas devo preparar o coração... São preciso rituais.

- O que é um ritual ? Perguntou o príncipezinho.

- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um ritual. À quinta feira vão ao baile com as raparigas da aldeia. A quinta-feira é então o dia maravilhoso! Posso ir passear até às vinhas. Se os caçadores dançassem a qualquer dia, os dias seriam todos iguais e eu não teria férias!

Foi assim que o príncipezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da despedida, a raposa disse:

- Ai! Eu vou chorar.

- A culpa é tua, disse o príncipezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Pois quis, disse a raposa.

- Mas agora tu vais chorar! disse o príncipezinho.

- Pois vou, disse a raposa.

- Então, não ganhaste nada com isto!

- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...

Depois acrescentou:

- Vai rever as rosas. Vais perceber que a tua é a única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.

O príncipezinho lá foi rever as rosas.

- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada. Ainda ninguém vos cativou, nem vocês cativaram ninguém. Vocês são como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo e, agora, ela é única no mundo.

E as rosas ficaram incomodadas.

- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho, - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, ela é mais importante que vocês todas juntas, porque foi a ela que eu reguei. Foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Foi a ela que eu abriguei com o biombo. Foi por ela que eu matei as larvas (excepto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. É a minha rosa.

E então voltou para o pé da raposa:

- Adeus, disse ele.

- Adeus, disse a raposa. Vou dizer-te o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.

O essencial é invisível aos olhos, repetiu o príncipezinho, para nunca mais se esquecer.

- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que a tornou tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o príncipezinho, para nunca mais se esquecer.

- Os Homens já se esqueceram desta verdade, disse a raposa. Mas tu não te deves esquecer dela. Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa... Repetiu o príncipezinho, para nunca mais se esquecer."

In “O Principezinho” de Antoine de Saint-Exupéry

segunda-feira, novembro 23, 2009

"Isto é para ti", estendeu o braço e pousou na minha mesa uma espécie de "teaser" à nova obra da Margarida Rebelo Pinto, intitulada "O dia em que te esqueci".

A amiga que teve este gesto tem uma escrita mais ao estilo MEC mas, embora eu goste de vários estilos literários, incluindo aquele em que o MEC se encaixa, sou mais uma colagem da MRP.

Não fosse ela ser mais velha e ter entrado neste mundo mais cedo, e talvez eu pudesse ser uma MRP, com um género de escrita entre o emocional "lamechas" e o racional "com a experiência se aprende". Duvido que existam mulheres que, de uma forma ou de outra, não se revejam nas histórias que ela narra e, se as há, devem ser numa percentagem (muito) pouco significativa.

A minha próxima aquisição para leitura: "O dia em que te esqueci", o dia que existe na vida de todo o comum mortal. Toda a gente já teve que, um dia, esquecer alguém. Um alguém amigo, um alguém amor, por circunstâncias da vida, com ou sem ironia.

Nesta pequena amostra do conteúdo da nova obra da MRP pode ler-se "Tu foste a minha grande aposta e a minha maior decepção", existem sempre sonhos derrubados pela própria ilusão inerente a eles. Parece-me um facto dificilmente contornável.

"...foi preciso cair e levantar-me ainda algumas vezes até chegar onde me encontro agora, um território de paz e de tranquilidade jamais alcançado e do qual espero não voltar a sair." Já diz alguém - eu mesma - que "faz parte"!... A vida é um processo evolutivo e são estas quedas que nos ajudam a "ser grandes para sermos inteiros". Como haveríamos nós - seres humanos - de aprender e, consequentemente, crescer? Não existe caminho para a felicidade que não envolva acidentes de percurso.

"Lembro-me que no final desse verão virei mais uma página da minha vida. Acordava desfeita, respirava fundo, olhava para o mar, que me acenava, imenso e perfeito da janela, e pensava: tenho de mudar, tenho de aprender com isto, a vida é mais do que sofrimento, angústia, espera e vazio, tenho de aprender a viver outra vez, de uma maneira diferente, que não me faça sofrer tanto. E fui aprendendo, muito devagar, a cada dia que passava, da mesma forma que vou aprendendo ainda hoje." Curioso como este resumo tem excertos que se encaixam na perfeição em diferentes alturas e experiências da minha vida. Deve ser por isso que as palavras dela "assentam em mim como uma luva".

"Agora vivo diariamente momentos de enorme felicidade e de profundo entendimento com tudo o que me rodeia porque sei que estou a viver uma segunda oportunidade (...) Há mais no mundo para ver e para amar (...) Umas das melhores coisas da vida é que ela muda. Nem sempre muda quando queremos ou como desejamos, mas muda. E no meu caso, porque sou uma pessoa abençoada, muda para melhor. Pelo menos acredito que assim é. E o mais importante não é aquilo que vivemos, mas aquilo em que acreditamos."

Pode ainda ler-se que esta obra é dedicada a "todas as mulheres que viveram um grande amor" e a "todos os homens que o perderam". Eu não o vivi (pretérito passado) mas sei que certamente houve quem o perdesse.

Se o destino assim o quis, foi porque algo de melhor me esperava. E dúvidas disso, não me restam nenhumas. Os meus desejos de menina-no-país-das-maravilhas vieram, sem pré-aviso, sem data nem hora marcada, cair-me nos braços. Hoje sorrio por mim para ti e para mim por ti!

domingo, novembro 15, 2009

A fomentação do Q.E. é urgente!

Segundo Goleman, "a chave para tomar boas decisões pessoais é ouvir os sentimentos". Sabem o que é a Inteligência Emocional? Sabem o que é o Q.E. e a sua importância nas nossas vidas enquanto seres humanos individuais e sociais? No seu livro, a que deu exactamente o nome de 'Inteligência Emocional', Goleman explica-nos tudo.

A base de uma Inteligência Emocional é a autoconsciência; o reconhecimento de um sentimento no exacto momento em que ele ocorre, porque é esse mesmo sentimento que, muitas vezes, se torna crucial numa emergente tomada de decisão.

Identificar as nossas próprias emoções e saber como e quando elas se manifestam é a chave do autocontrolo e é quem melhor discerne e controla os seus sentimentos quem tem uma vida emocional mais equilibrada.

Depois de sabermos identificar as nossas emoções e de sabermos como é que elas ocorrem, é necessário sabermos como lidar com elas. Controlar os sentimentos é fundamental para conseguirmos ter uma vida pacífica, harmoniosa e com sucessos. Famílias, amizades e carreiras profissionais são, muitas vezes, arruinadas por falta deste mesmo controlo emocional.

Reconhecer as emoções daqueles que nos rodeiam também é essencial, e a empatia é a ferramenta principal para termos sucesso nas nossas relações pessoais. Quando tentamos compreender as acções e as reacções das pessoas estamos a abrir caminho para o diálogo e para o entendimento. A empatia é alimentada precisamente pelo nosso autoconhecimento: quanto mais conscientes estivermos dos nossos próprios sentimentos mais facilmente poderemos entender os sentimentos dos outros.

Quando conseguimos compreender os sentimentos dos outros, precisamos de aprender a lidar com eles. Sabermos como agir e como nos comportar em determinadas situações é o que diferencia os sábios dos leigos neste tão vasto campo da Inteligência Emocional. O analfabetismo emocional é quase como 'conduzir um carro no centro de uma cidade movimentada sem saber interpretar os sinais de trânsito'. No mínimo, o condutor vai-se envolver ou causar vários acidentes. Sabermos o momento de prosseguir, o momento de parar e respeitar os limites de velocidade pode-nos garantir uma viagem tranquila e segura. Na viagem da vida, sabermos interpretar e agir correctamente perante os muitos e diversos tipos de sinais que as pessoas nos emitem, pode-nos assegurar relacionamentos saudáveis e duradouros, evitando assim muitos prejuízos e acidentes 'fatais'.

No fundo, ter um bom Q.E. significa termos um equilíbrio e não uma supressão dos sentimentos, pois todos eles têm o seu devido valor e significado. Há sentimentos que desestabilizam emocionalmente as pessoas - como por exemplo a raiva, a ansiedade ou a melancolia - e a chave para o nosso bem-estar emocional está no controlo destas mesmas emoções.

Muitas vezes as pessoas questionam-se: "Porque é que alguns parecem ter um dom especial que lhes permite viver bem, apesar de não serem os mais inteligentes? Porque é que nem sempre o aluno mais inteligente da turma acaba por ser o que tem mais êxito? Porque é que algumas pessoas têm mais capacidades do que outras para enfrentar contratempos, superar obstáculos e ver as dificuldades sob uma perspectiva diferente?'

A nossa concepção da inteligência humana é estreita e não tem em consideração uma ampla gama de capacidades que são essenciais para vivermos bem e alcançarmos um desenvolvimento integral enquanto seres humanos. A inteligência emocional é uma forma de nos relacionarmos com os outros e com tudo o que nos rodeia, englobando aptidões como o controlo de impulsos, a motivação, a perseverança, a empatia ou a agilidade mental, que moldam traços do nosso carácter essenciais para trilharmos o 'nosso' caminho rumo aos 'nossos' sonhos...

segunda-feira, novembro 02, 2009

Navegar é preciso!


'As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: "Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?" Mas: "Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?" Só assim é que pensam ficar a conhecê-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: "Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombos no telhado...", as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: "Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos." Então, já são capazes de exclamar: "Mas que linda casa!"

Assim, se lhes disserem: "A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele se ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe", as pessoas grandes enoolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: "O planeta de onde ele vinha era o asteróide B612", as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer mais perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.

Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:
"Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo..." Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.

Porque eu não gostava que este livro fosse lido levianamente. Custa-me tanto lembrar estas coisas! O meu amigo já se foi embora há seis anos com a sua ovelha. Se o tento descrever, é só para não me esquecer dele. É tão triste esquecermo-nos de um amigo! Nem toda a gente teve um amigo na vida! E depois, posso ficar como as pessoas grandes que já não se interessam senão por números. Foi também por isso que comprei uma caixa de tintas e lápis. E custa um bocado começar a desenhar na minha idade, ainda por cima quando as duas únicas tentativas anteriores, a da jibóia fechada e a da jibóia aberta, foram feitas aos seis anos!

Claro que vou tentar fazer retratos o mais parecidos possível. Mas não tenho a certeza de conseguir. Tão depressa um desenho me sai parecido como outro, logo a seguir, não se parece nada. Também me engano no tamanho. Nuns, o principezinho fica grande demais. Noutros, pequeno demais. Também já não sei muito bem qual era a cor do fato dele. O único remédio é ir tentando, é ir por aproximações. Mas vou-me enganar de certeza nalguns pormenores mais importantes. Mas, para isso, não há remédio: vocês é que terão de me perdoar. O meu amigo nunca explicava nada. Talvez pensasse que eu era igual a ele. Infelizmente, eu não sei ver ovelhas através de caixas. Talvez esteja um bocado parecido com as pessoas grandes. Devo ter envelhecido.'

In "O Principezinho" de Antoine de Saint-Exupéry