sexta-feira, abril 23, 2010

Ser 'gaja'

Ser ‘gaja’ às vezes irrita-me. Por muito que tente fugir das pressões sociais e dos dilemas femininos comuns - diria até ‘fúteis’ – está-nos nos genes e não conseguimos escapar-lhes. Existem sempre aqueles minutos, às vezes semanais, outras vezes mais frequentes, dependendo da altura do ano ou da nossa corrente de hormonas, em que tudo de problemático nos enche a cabeça.

Basta folhear umas revistas ‘cor-de-rosa’, ver aqueles programas na televisão com apresentadoras e/ou assistentes escolhidas a dedo - altas, magras, sempre bem vestidas, bem maquilhadas, bem penteadas, vistosas, atraentes - ou, pior ainda, as revistas masculinas com produções XPTO carregadas de photoshop. Aquelas a quem chamam ‘VIPS’ conseguem, inclusivamente, acabar de ser mães e - quando geralmente o normal é sair da maternidade com mais uns 15 quilos em cima, cabelo desgrenhado, cara deslavada, um ar exausto (mas feliz, é certo) a precisar de manutenção -, vemo-las a ser fotografadas como se acabassem de ter saído de um SPA; com um outfit de acordo com as últimas tendências, um cabelo brilhante e bem tratado, as unhas arranjadas e uma maquilhagem luminosa mas natural, não vá parecer exagero ou até um pouco 'pimbalhesco'. Inacreditável.

Há alturas em que simplesmente não consigo estar bem com o meu físico. Na verdade, embora faça sempre por parecer uma pessoa com uma auto-estima elevada, e talvez daí o facto de a maioria das pessoas me achar, à primeira vista, convencida ou com um ar altivo, nunca me considerei uma ‘gaja boa’. Bendita roupa que disfarça tudo aquilo que detestamos em nós! Hoje em dia ninguém se pode queixar: desde soutiens ‘push up’, mais ou menos almofadados que fazem as mamas perfeitas, até às calças que arrebitam o rabo, ou que até o fazem parecer bem-feitinho, tudo passa por uma questão de sabedoria quando toca a escolher padrões, tecidos, ou até mesmo os cortes das peças de roupa, o tamanho e espessura do tacão do sapato e, no final, a conjugação de tudo! (nota-se logo que trabalho com moda, há uns tempos atrás certamente não escreveria nada disto).

O caldo entorna mesmo é quando chega a altura do calor e nos apercebemos que o verão está prestes a arrebentar com todo o seu esplendor. Calções, mini-saias, decotes, tops justos e curtos, biquínis, praia, muita gente à nossa volta a observar… Nunca ultrapassei o terror dos primeiros dias de praia! Primeiro por ser branca como a cal e achar isso horroroso e, segundo, por odiar 98% do meu corpo, se considerarmos que só gosto do meu nariz e do meu peito. Há uns anos atrás ainda tinha um certo amor pela minha barriga, mas agora nem isso. Só de imaginar toda aquela luz que o sol irradia sobre aqueles defeitos mais tenebrosos, mais vale nem tecer comentários. É em alturas como esta, por exemplo, que adorava ser milionária; clínicas e tratamentos miraculosos fazia-os a todos. Ou quase. Fútil, eu sei, mas fazer o quê? Sou 'gaja' e estas mesquinhices irritam-me.

Não como muito. Também não pratico desporto, é um facto, mas infelizmente o tempo cada vez é mais escasso e os ginásios são exageradamente caros. Como é que conseguem vir com aquele blá blá blá de cuidar da saúde e da manutenção da boa forma física se depois não fomentam essa necessidade e impossibilitam o seu acesso a pessoas com a carteira menos recheada? Não entendo. Nunca entendi. Isso e aquelas dondocas que só lá andam para desfilarem os micro modelitos, para se atirarem descaradamente aos professores e para afiarem a língua com comentários acerca das outras que lá andam…mas para exercitar o corpo, como manda o local em questão. Mas isto seria pano para mangas que agora não me apetece fabricar, porque nem essa importância merece.

Ao bocado decidi pesar-me. Nunca o faço. Talvez só duas vezes por ano, e porque faz parte das consultas médicas de rotina. Desta vez sinto-me tão ‘inchada’ que não resisti a ver se é panca ou se realmente engordei uns 10 quilos, porque é isso que muitas vezes me parece. Porém, o número que piscou (nas 3 vezes que subi à balança para confirmar) continua a não me convencer. Ronda o mesmo de sempre. Mais uns gramas, mas é noite e acabei hà pouco tempo de jantar. Então - pergunto-me eu - porquê a roupa estar mais apertada e porquê eu sentir-me tudo menos confortável com o meu corpo? Isto dá mesmo cabo de mim, irrita-me ser ’gaja’, aquela ‘gaja’ padrão da sociedade.

Para além disto - desta preocupação com o ego, com o bem-estar físico, com a aproximação do tempo de praia - às vezes também acontece comparar-me com qualquer mulher: não só com as que aparecem nas revistas, com as apresentadoras de TV, com as actrizes de cinema, mas também com as que me rodeiam num café, num bar, num restaurante. Pior do que isso, com as 'ex'. Com as aventuras. Eram melhor? Pior? Mais gordas? Mais magras? Mais ‘boas’? Tinham pneus na barriga? Celulite no rabo? Estrias nas coxas? Eram mais sensuais, sexy, atraentes, bombásticas? Bem, quando chegamos a este ponto das duas uma: ou fazemos um retiro espiritual no Tibete ou metemo-nos num avião rumo ao paraíso, para arejar as ideias, acalmar os neurónios e concentrarmo-nos no mar quente azul-turquesa, na espreguiçadeira e na caipiroska pousada numa mesinha mesmo ao nosso lado, de preferência com uma daquelas palhinhas bem grandes para nem sequer termos de esticar o braço para pegar no copo.

Qualquer uma destas opções parece-me fantástica tendo em conta que, ultimamente, ando cansada e sem tempo para nada. Sem tempo especialmente para mim. O trabalho cada vez mais me consome, o que me pagam é desproporcional ao desgaste físico acabando, por sua vez, por contribuir para um desgaste psicológico. Em casa há sempre aquelas tarefas pendentes e depois, claro está, o corpo a acusar o cansaço e a idade também a não perdoar. Desde que os dias se tornaram mais longos que ainda não consegui ter a oportunidade de sair do escritório à hora suposta e poder usufruir de um belo pôr de sol, numa esplanada à beira-mar. Triste, mas é a dura realidade de quem cresceu sem querer nem pedir a ninguém para crescer.

Esta falta de tempo fomenta também em mim as saudades de escrever. Tudo o que tenho conseguido é simplesmente mental. Quantas vezes não surgem na minha cabeça, de um momento para o outro, aquelas frases, temas ou constatações em que dava tudo para poder parar o tempo, pegar num papel e numa caneta – ou num computador – e soltar todas as palavras que emergem abruptamente? Mas nem sequer isto tenho conseguido, quanto mais não seja porque falha-me a energia para o conseguir fazer como desejo. Nestes casos, em que sei que não vou conseguir transmitir o que realmente quero, prefiro continuar quieta e guardar a ânsia e a necessidade de o fazer para outra altura mais favorável. Como por exemplo esta. Ou não.

Ser 'gaja' ás vezes irrita-me mesmo!