quarta-feira, outubro 28, 2009

Não deixes um prazer de hoje para um amanhã que pode não existir

Para não variar, apetece-me divagar. Pegar no famoso arranque de histórias "Era uma vez" e deixar as palavras seguirem o rumo que elas quiserem, com ou sem direcção provida de sentido.

Era uma vez uma flor que não gostava das suas pétalas...
Era uma vez uma pérola cujo brilho o mar turvo ofuscou...
Era uma vez uma estrela que se sentia triste porque a sua luz era apenas mais uma no meio de tantas outras que preenchem o universo...

Um dia o vento soprou, afastando as nuvens que encobriam o céu, e os raios de sol devolveram vivacidade à cor das pétalas da flor que não gostava delas. As borboletas que por ali passeavam, sentindo-se atraídas pela sua beleza, iam pousando na sua superfície. Batendo elegantemente as suas asas, mimavam-na, antes de partirem novamente para destino incerto. Foi assim que a flor voltou a sorrir e a dar valor às pétalas que antes renegava.

Depois de afastar as nuvens, o vento repousou. As marés do oceano recuperaram a sua calmia e as areias do seu fundo deixaram de revolver. O reflexo do sol permitiu à água do mar que cintilasse e foi toda esta pureza que devolveu à pérola o seu brilho. Desta vez, era a intensidade que emanava que ofuscava todos os seres marítimos que dela se tentavam aproximar...mas de fascínio!

Quando o sol se pôs, dando o lugar à lua para iluminar o mundo, todas as estrelas que povoam o céu encheram o olho de quem parava para as admirar. A quem não encanta um cenário estrelado? No entanto, alguém cá em baixo parou e olhou para a estrela que se sentia triste, por achar ser apenas mais uma. Por instantes ela ainda hesitou. Aquele olhar poderia estar a dirigir-se noutra direcção que lhe parecia, de forma equívoca, ser a dela. Mas foi então que, entretanto, esse alguém sorriu-lhe. No meio das milhares de estrelas que a rodeavam, foi a sua luz que prendeu a atenção desse alguém, que passou o resto da noite a observá-la, de sorriso no rosto e brilho no olhar. Ela sorriu-lhe também e, a partir daí, a sua luz passou a ser o destaque do estrelato...porque, em cada noite, aquele alguém parava lá em baixo, só para a contemplar.

Um dia, as nuvens que o vento afastou poderão regressar e encobrir novamente o sol; o azul do céu; o azul do mar; a cor das pétalas. Os grãos de areia poderão voltar a remexer num turbilhão roubando outra vez o brilho da pérola que habita a profundeza das águas. Da mesma forma, também a tal pessoa que admira a estrela poderá um dia esquecer-se de aparecer. Ou ter algum imprevisto. Ou não conseguir sorrir-lhe porque as nuvens a escondem. Ou até mesmo ser cativado pela luz de outra estrela, deixando assim cair no esquecimento a outra de sempre, que regressará à sua anterior solidão.

Mas isto é apenas um 'se'. É um 'pode ser que'. Hoje a flor, a pérola e a estrela reencontraram a felicidade. O segredo está em absorvê-la, segundo a segundo, sem antecipar problemas que não passam de meras suposições. O segredo está em aproveitar as oportunidades que a vida oferece no exacto momento em que as oferece, sem medo do futuro, agarrando o prazer do imediato. Os frutos devem ser colhidos hoje, porque amanhã poderão já estar consumidos pela corrosão do tempo.

É o eterno lema do 'Carpe Diem' que, um dia, Horácio imortalizou...

'Carpe diem quam minimum credula postero
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.'

[Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã.
Não perguntes, é proibido saber, o fim que os deuses
nos dará...]