segunda-feira, novembro 02, 2009

Navegar é preciso!


'As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: "Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?" Mas: "Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?" Só assim é que pensam ficar a conhecê-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: "Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombos no telhado...", as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: "Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos." Então, já são capazes de exclamar: "Mas que linda casa!"

Assim, se lhes disserem: "A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele se ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe", as pessoas grandes enoolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: "O planeta de onde ele vinha era o asteróide B612", as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer mais perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.

Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:
"Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo..." Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.

Porque eu não gostava que este livro fosse lido levianamente. Custa-me tanto lembrar estas coisas! O meu amigo já se foi embora há seis anos com a sua ovelha. Se o tento descrever, é só para não me esquecer dele. É tão triste esquecermo-nos de um amigo! Nem toda a gente teve um amigo na vida! E depois, posso ficar como as pessoas grandes que já não se interessam senão por números. Foi também por isso que comprei uma caixa de tintas e lápis. E custa um bocado começar a desenhar na minha idade, ainda por cima quando as duas únicas tentativas anteriores, a da jibóia fechada e a da jibóia aberta, foram feitas aos seis anos!

Claro que vou tentar fazer retratos o mais parecidos possível. Mas não tenho a certeza de conseguir. Tão depressa um desenho me sai parecido como outro, logo a seguir, não se parece nada. Também me engano no tamanho. Nuns, o principezinho fica grande demais. Noutros, pequeno demais. Também já não sei muito bem qual era a cor do fato dele. O único remédio é ir tentando, é ir por aproximações. Mas vou-me enganar de certeza nalguns pormenores mais importantes. Mas, para isso, não há remédio: vocês é que terão de me perdoar. O meu amigo nunca explicava nada. Talvez pensasse que eu era igual a ele. Infelizmente, eu não sei ver ovelhas através de caixas. Talvez esteja um bocado parecido com as pessoas grandes. Devo ter envelhecido.'

In "O Principezinho" de Antoine de Saint-Exupéry