segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Estou para os 30 como Portugal está para a salada de fruta

Dizem que a chegada dos 30 pouco ou nada nos traz de diferente, mas a minha perspectiva não condiz com esta aparente indiferença. Não estou com um 'pé para a cova', nem tão pouco me sinto velha (pelo menos de espírito), só que as evidências não me deixam ficar impassível aos anos que passam à velocidade da luz.

Há 10 anos atrás estava longe de me preocupar com 'gordurinhas' a mais, celulite instalada, estrias, má circulação do sangue, colestrol alto, falta de vitaminas, descamação do couro cabeludo e outras coisas afins que o corpo vai acusando pelo desgaste e maus hábitos do dia-a-dia. Não tinha que me preocupar tanto com a aparência - exactamente por não ter que ir disfarçando esta passagem do tempo - e não tinha que fazer contas aos gastos para a manutenção de uma pele, cabelo e/ou unhas bonitas. Sentia-me bem mais livre destas 'futilidades' necessárias para uma auto-estima minimamente equilibrada (e não me venham com filosofias de que ter auto-confiança não é importante para uma psique saudável).

Aos 20 anos de idade também me sentia longe de ter o peso das responsabilidades que tenho hoje; bastava-me estudar para ter boas notas e cumprir com o prometido ao meu pai, pois em troca tinha garantida a minha mesada e a minha liberdade social, vulgo sair e entrar em casa às horas que bem me apetecia. Agora se dormir pouco ou nada não posso ouvir o despertador, desligá-lo e virar-me para o lado a pensar 'que se lixe o trabalho, alguém há de o fazer por mim'. Tenho que pensar em contas porque - embora ainda não tenha casa própria e os custos a ela inerentes - tenho carro, um crédito pessoal em curso, uma cadela para cuidar e outras 'pequenas' coisas que os pais já não pagam, porque já muito eles fizeram. Fora ainda os extras que qualquer ser humano necessita para desanuviar desta vida rotineira de 'adulto', como os jantares de amigos, as ansiadas férias e o cinema a um domingo à noite. Se não for eu, ninguém se vai preocupar com isso por mim.

A juntar a este natural processo de crescimento, o estado lastimável da economia mundial que, como não podia deixar de ser, é fruto dos comportamentos irresponsáveis, gananciosos e materialistas do ser humano que 'domina' o mundo apelidado de 'moderno'. A crise está instalada de tal maneira que não há esforço que resista ao cinto que já nem aperta...sufoca, quase que mata! Pedindo desde já desculpa pelo termo menos próprio, neste país de 'merda' deviam preocupar-se mais, por exemplo, com quem o governa do que com palermices, como o caso das escutas do Pinto da Costa. Podem achar-me suspeita por ser portista mas, que me desculpem novamente os que isso consideram relevante, eu quero lá saber de 'sumaríssimos' pedidos por favor, da criação de falsas polémicas, de encomendas de 'saladas de fruta' por parte de equipas de arbitragem, de café com leite ou mais escuro...estão a brincar comigo?? Qual é a empresa, negócio ou afim neste país de 3º mundo que não vive de corrupção, fachadas e factos camuflados? Creio que existem casos bem mais graves com que se perder tempo para endireitar 'paus que nascem tortos' - ou que se tornam tortos - por viverem num país feito à base de leis e demais coisas tortas!

Em jeito de curiosidade, lembrei-me agora que, na semana passada, a minha mãe trouxe um tupperware de biscoitos e eu, ao olhar para eles, não pensei duas vezes antes de soltar a frase 'olha...os biscoitos da bibó!". Quando o disse senti-me um pouco constragida, mas foi mais natural do que a 'minha própria sede'. Calei-me e, por momentos, a minha memória viajou para os meus 10/12 anos quando, a seguir à escola, ia a casa dela. Existiam sempre 2 rituais: o leite acompanhado por aqueles biscoitos característicos, em forma de S, e os chocolates 'escondidos' atrás de uma pequena porta de um armário da sala, que a minha bisavó comprava propositadamente para cada uma das bisnetas. É incrível o que determinados pormenores nos fazem recordar. Acho que, durante a minha curta viagem ao passado, até consegui sentir o cheiro da casa dela e até mesmo, o dela própria. Foi uma questão de segundos, mas consegui imaginar cada detalhe como se ainda ontem tivesse lá ido, a seguir às aulas. Já passaram mais de 10 anos e ela já faleceu há 5.

Nessa altura eu ainda era uma criança bem inocente. Ainda o sou, é certo, mas (in) felizmente já não em tanta coisa. Na adolescência conseguia imaginar-me na perfeição com a idade de hoje; casada, com filhos, uma casa, uma vida organizada. Era tudo fácil. Hoje, quase nos 30, tenho muito, mas não tudo. E desgasta-me pensar que estudei 20 anos para depois a compensação não ser a esperada ou, até mesmo, a prometida. Desgasta-me trabalhar 8 ou mais horas por dia durante 5 dias por semana e ganhar uma miséria. Desgasta-me o empenho sem recompensa. A dedicação com base em falsas expectativas. Desgasta-me a reprimenda de chegar 15 minutos atrasada de manhã e ter que responder 'o meu horário de saída também é às 18h30' ou pensar nas tantas horas extra que ninguém me paga ou enaltece. Desgastam-me os sonhos mutilados, o futuro incerto, a hipocrisia dos abastados e a luta com resultados, para já, inglórios para as minhas ambições.

Perante tudo isto, só me apetece mesmo continuar a dizer 'quero lá saber da fruta e do café com leite'! Venha mas é a garantia da água própria para beber e do pão fresco para comer...

Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura

Como nuvens pelo céu
Passam os sonhos por mim.
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim.
São coisas no alto que são
Enquanto a vista as conhece,
Depois são sombras que vão
Pelo campo que arrefece.

Símbolos? Sonhos? Quem torna
Meu coração ao que foi?
Que dor de mim me transtorna?
Que coisa inútil me dói?

Fernando Pessoa