segunda-feira, julho 26, 2010

Quebrar o Gelo

Sai de dentro das linhas e faz tudo para que te chamem estúpido. Se isso acontecer é o elogio pelo teu espectáculo.

Saíste das regras, conseguiste, e o julgamento do olho normal, dentro da linha, considera-te estúpido, desalinhado.

Quer isso dizer que te libertaste. Sem medo do ridículo. Libertaste os pensamentos, extravasaste em criação e, sobretudo, não te levaste a sério. Nunca te leves a sério. Isso é coisa de gente esperta e de espertos já está o mundo cheio.

Be stupid e dá algo novo. Afinal, ser estúpido pode ser só ser consciente de que nunca se tem nada a perder. Ser estúpido é correr riscos e, para correr riscos, embora sendo-se estúpido, é preciso ser-se bravo. Isto no caso de se ser estúpido por consciência e confiança, e não por pura falta de noção das circunstâncias.

Sê estúpido como um brilhante palhaço. Sê estúpido como só tu mesmo, ou entra numa de revivalismo à atitude trash com inspiração jackass e quando vires um par de calças que valem no mercado 3 centos de euro, na rua, dentro de um paralelo de gelo, a título de exercício, arma-te de picaretas, maçaricos, martelos e uma grande vontade de pura diversão. Sem troféus. Apenas desafio ao engenho e boa disposição.

É um jogo e, embora o prémio não seja a paz de espírito, levam-se umas calças de ganga e mais tudo o que se pode ganhar com a experiência de um dia ter perdido a vergonha, o limite e o risco, não tendo importância o motivo mas sim a consequência.

Be stupid.

SMART SEES WHAT THERE IS. STUPID SEES WHAT THERE COULD BE.
SMART LISTENS TO THE HEAD. STUPID LISTENS TO THE HEART.
SMART MAY HAVE THE BRAIN. STUPID HAS THE BALLS.


In DIF, edição nº75

segunda-feira, julho 19, 2010

"Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.

Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.

Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.

Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser."

Fernando Pessoa

segunda-feira, julho 12, 2010

No meu tempo não era assim...

“Estás bonita nesta foto” – tinha sido no baile de debutantes, na sua apresentação à sociedade, quando este ainda era no Palácio da Bolsa. O vestido era deslumbrante; branco como manda a tradição, mas apesar de a cor ser igual para todas, há sempre forma de lhe dar o merecido destaque. E o seu era realmente lindo. Conjugado com a tenra idade que ainda tinha, com a pele lisa e luminosa que ostentava, com o cabelo especialmente penteado para a ocasião, tudo ajudou a que marcasse a diferença e a que lhe tenham tirado uma foto – ainda que a preto e branco - com aquele sorriso inocente e pura beleza.

“O Zé foi contigo?” - já se conheciam, mas não foi. “Candidatos para dançar não faltaram!”, e riram-se timidamente, trocando olhares cúmplices com alguma malandrice à mistura. “A mim também nunca me faltavam. Sou pequenina mas eles preferem-nos assim… Havia mulheres mais altas e bonitas mas era sempre a mim que eles vinham perguntar se queria dançar!”. Era pequena, de facto, mas tinha o talento. Se era por isso ou não que os ‘rapazes’ a abordavam, não sei. Mas sei que nem sempre a beleza é um factor primordial. Se sabia dançar - o que era um requisito importante nas mulheres da altura -, tinha o charme e a presença, certamente que não passava indiferente. Voltaram as duas a sorrir com aquele tom que denuncia histórias por contar. E que, certamente, ficarão por contar.

“Na nossa altura era tudo muito diferente”, disse a amiga ‘pequenina’ com um misto de revolta e nostalgia. Pois era, o que hoje ninguém se coíbe de fazer aos olhos da sociedade, antigamente era considerado um ultraje. As pessoas de outro tempo dizem sempre estas coisas, mas as suas trocas de olhares não enganam ninguém… Talvez a grande diferença esteja nos limites que hoje não sabem medir, o que torna a liberdade bem mais exacerbada, pensei eu.

Falaram também de clubes que antes existiam e que frequentaram. Foi lá que aprenderam a ser “donas de casa” e mães perfeitas. Afinal, antigamente era esse o trabalho da Mulher. Era esse o seu “curso superior”. Saber cozinhar, saber bordar, saber dobrar um lençol, pôr uma mesa, passar a ferro uma camisa, tirar nódoas mais complicadas da roupa. Provavelmente depois ensinaram tudo isto às empregadas que iam contratando, mas pelo menos não mandavam fazer nada que não soubessem fazer elas melhor do que ninguém. Não há coisa pior do que mandar os outros cumprir tarefas que nem nós próprios sabemos como cumprir. Apesar de tudo, não deixa de ser engraçado imaginar este modo de viver de há uns anos atrás que, se pensarmos bem, nem são assim tantos quantos parecem ser.

Olhei para ela mais uma vez. Está bonita – bem vestida, bem maquilhada, bem penteada, como manda a etiqueta. Toda ela irradia luz; os olhos, o sorriso, os gestos. Pega na minha mão e assim fica, com a mão dela agarrada à minha, durante o tempo todo que ali permaneci. Vai-me observando e vai sorrindo, com orgulho da mulher que me tornei, fruto da mulher que ela gerou e criou. Com saudade da menina que fui e ajudou a educar anos a fio. Pergunta-me pela vida, pelo trabalho, pelas amigas que viu crescer comigo. Pergunta-me pelo casamento e pelos bisnetos. Timidamente baixo o olhar e respondo-lhe “um dia. Ainda não, mas um dia…”, com um sorriso sem jeito nos lábios. Com algum desconsolo encolhe os ombros, mas os olhos continuam a brilhar. Acho que compreende o que quero dizer, mesmo que a resposta pareça ser sempre a mesma.

Cá dentro a notícia vai ruminando. Com inquietude, preocupação, ansiedade, medo, desassossego. Pergunto-me se aquela luz vai continuar a irradiar energia durante mais 5 anos… Podem ser menos, podem ser mais, mas quem sabe? Para o bem ou para o mal, a vida consegue sempre surpreender-nos, embora todos nasçamos com a certeza do nosso fim. É, no final de contas, a única certeza que a vida nos consegue dar. Mas darem-nos um prazo de validade? Nunca estamos preparados para aceitá-lo, seja ele certo ou incerto, mais curto ou mais longo, por egoísmo ou por não querermos simplesmente perder quem amamos e quem nos ama, verdadeiramente.

Realmente as coisas mudam. O tempo transporta com ele o poder da mudança e já nada é como era… antigamente nada era efémero. Mesmo que verdadeiramente o fosse. Era mais feliz assim.