terça-feira, dezembro 22, 2009

Lovers never lose

"Gosto dos instantes em que sentimos que nos podemos apaixonar por aquela pessoa que conhecemos há 30 segundos, há seis meses ou há um ano e com quem intuímos desde o primeiro instante uma espécie de construção do mundo anterior à nossa própria existência, como se em uma qualquer encarnação anterior já tivessemos sido alguma coisa um ao outro - marido e mulher, irmão ou irmã, tanto faz -, provocando uma imediata sensação de bem-estar que nos faz sentir em casa.

A sensação de familiaridade instantânea é um dos primeiros passos para a verdadeira intimidade, embora quase nunca se chegue tão longe. Isto porque entre os instantes mágicos que fazem de um serão de conversa uma noite perfeita, e o que se pode, ou não, contruir a seguir, vai uma distância sempre impossível de prever. A construção de um caso que pode vir a tornar-se uma história de amor tem muito de alquímico e pouco de entendível: ou há click, ou não há, ou no dia seguinte nós acordamos e sentimos 'é isto que eu quero', ou então ficamos sem saber o que pensar até que a vida se encarrega de arrumar as peças do puzzle e pôr tudo no seu devido lugar. Ainda assim, o tal click também nos pode enganar: às vezes desejamos tanto apaixonar-nos que o nosso subconsciente força esse click; outra vezes temos tanto medo de nos entregarmos, que tapamos os ouvidos para não o escutar. O que há mais para aí são corações partidos, com lesões invisíveis que nenhum cirurgião cardio-toráxico pode curar. Só o tempo e grandes doses de amor continuadas conseguem apagar as lesões mais profundas.

Depois do click, ou do desclick, o melhor é guardar para sempre esse momentos únicos e relembrá-los sempre que isso nos traz alegria, ou arrumá-los numa gaveta ordeira da memória se nos perturbam. Em tempos chamei-lhe guardar a doçura, mas depois enjoei-me do substantivo para sempre, e do adjectivo então é melhor nem falar - sempre que alguém me diz que sou uma pessoa muito doce, dá-me logo vontade de pegar numa G3 e de me transformar num mercenário em causa própria. Por isso, agora uso apenas o verbo guardar, de mãos dadas com o verbo ganhar, porque acredito que tudo o que se vive em paz e de coração aberto é sempre uma mais-valia, mesmo que o desfecho não seja aquele com que sonhámos.

Incorrendo na prática pirosa da auto-citação, regresso às páginas do meu último romance, onde escrevi: «Uma das melhores coisas da vida é que ela muda. Nem sempre muda quando queremos ou desejamos, mas muda». Há muito que aprendi a aceitar que a realidade é evolutiva; o que é verdade hoje pode não o ser amanhã. Assim, há clicks que anunciam um amor homérico, o qual mais tarde se transforma em pó, cinzas e nadas, e outros, mais tímidos, que se vão repetindo até se transformarem numa grande história de amor.

Gosto de acreditar que entre projecções, sonhos e desejos, entre clicks enganadores e desclicks trapalhões, há os abençoados, os que duram para sempre."

MRP In Sol, 27/11/2009 [poderia, mais uma vez, ter sido uma PTP!]