quinta-feira, setembro 03, 2009

...e viveram longe para sempre

"- 'Anda ter comigo...'
- 'Agora? Acabei de acordar. Estou de pijama, cara deslavada, cabelo desgrenhado...'
- 'E depois? Eu também.'
- 'Tenho que ir tomar um banho, vestir qualquer coisa...'
- 'Para quê? Anda ter comigo, não precisas de perder tempo com nada. Vem como estás.'

Por instantes pensou que ele só podia estar louco. Ou estaria a falar a sério? Ela gostava mesmo dele. Amava-o. Mas 'não dá, não dá...' Aquilo não era de todo boa ideia, não era de todo racional. Depois desse breve instante hesitou. Amava-o...queria-o ter por perto, mesmo não sendo da forma que queria. Podia ir... Podia ir e resistir a eventuais tentações. Estar apenas junto dele. Olhá-lo. Sentir-lhe o cheiro. Ouvir a sua voz. Perder-se nas conversas que consumiam sempre o tempo, transformando-lhe as horas em segundos. Sim, a ideia não era assim tão descabida... Ir ter com ele não iria mudar nada, apesar de desejar o contrário. Afinal a vida não são dois dias e um é para viver?

- 'Está bem. Uns minutos e estou aí.'
- 'Ok. Estou à tua espera. Até já.'

Desligou. 'Mas será que enlouqueci? Eu não posso estar bem.' Trocou os chinelos por umas havaianas. Lavou os dentes, escovou o cabelo, vestiu um casaco para esconder o pijama que trazia no corpo e saiu. 'Isto não está a acontecer, eu não estou a fazer isto.' Mas estava. Porquê? A razão desconhecia, o coração sabia.

Pouco tempo depois estava à porta da casa dele. Respirou fundo, pegou no telemóvel e enviou-lhe uma mensagem: 'Cheguei'. Ele sabia que ela ia. Talvez não tivesse imaginado é que ela iria realmente aparecer conforme estava. De pijama, como quando acaba de acordar.

Entraram e atrás a porta fechou-se. Lado-a-lado, subiram as escadas e ela ia repetindo para si própria 'tu consegues, tu consegues'. O coração em palpitações sónicas, os poros da pele dilatados, prestes a explodirem. Não há exercício respiratório ou mental que dê ao sistema fisiológico forças que controlem o sistema emocional!

Uns sorrisos. Umas palavras trocadas. Uns olhares que penetravam a alma. Uns abraços. Os corpos já numa distãncia que denunciava o perigo, os cheiros já misturados, as mãos já entrelaçadas. Tarde demais para voltar atrás e a tal resistência pretendida esquecida algures pelo caminho. Os dois fundiram-se e perderam-se naquele tempo do costume, só deles, entre carinhos, partilhas, silêncios preenchidos por um tudo que deixa o sorriso estampado no rosto.

A luz ténue do sol e a aparição ainda tímida da lua denunciaram o final do dia. Tinha chegado a altura de ir embora. Calçou as havaianas e vestiu o casaco. Já se sentia o frio da noite. Á medida que se aproximava da porta que conduzia à rua, ela ia absorvendo cada gesto, cada passo, cada pormenor ao seu redor. 'Este é um adeus. Não vais voltar aqui', dizia-lhe o sexto sentido. Certo ou errado, ele estava a dizer-lhe que se despedisse baixinho daquele amor.

Olhou-o em jeito de contemplação. 'Não te vou voltar a ver tão cedo, pois não?', questionou em surdina. Não queria ouvir a resposta. Sabê-la já é difícil. Sabê-la e ainda ouvi-la é uma facada no peito. Enquanto ia registando a sua imagem com o olhar, ia recordando os momentos. Um por um. Ele tinha-lhe dito, a meio da tarde e talvez apenas em tom de curiosidade, 'hoje é dia dos namorados'. Pois era. E ela amava-o. O que responder a uma constatação daquelas? Não interessava. Já nem valia a pena dar a importância que sonhava poder dar àquele dia.

Desprendeu o olhar e desviou-o para a rua, para o lugar onde o seu carro a esperava. Suspirou. Mais um abraço. Mais um beijo. Mais um sorriso. Um adeus incerto mas pressentido. Entrou no carro. A porta da casa fechou-se e ele desapareceu.

As suas almas encaixavam mas, inexplicavelmente ou não, aquele tinha sido o momento do derradeiro desencaixe. 'Posso nunca mais te ver, nunca mais te tocar nem nunca mais te ouvir, mas sei que vou sentir exactamente o mesmo que sinto hoje se só te voltar a encontrar daqui a 20 anos'. Ligou o carro e arrancou. O rumo estava traçado mas o destino estava à deriva."

In "Memories: why didn't we stay with the one's we love"